A VIOLÊNCIA SILENCIOSA DAS PALAVRAS
- POLIKA TEIXEIRA
- 11 de mar. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 27 de jun. de 2024

No Brasil, uma mulher é vítima de feminicídio a cada 6 horas. No Brasil, uma mulher é vítima de feminicídio a cada 6 horas. No Brasil, uma mulher é vítima de feminicídio a cada 6 horas.
Essa frase ecoa na minha cabeça, no meu estômago e no meu coração. Em 2023, 1463 perderam a vida simplesmente por serem mulheres. Esse número ainda pode estar subnotificado.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança, no primeiro semestre do ano passado, a cada 8 minutos, uma menina ou mulher foi estuprada. A maioria das vítimas tem até 13 anos. O tempo médio para julgar o crime é de 2,7 anos.
Com tanta perversidade, acordei de mau humor no Dia Internacional da Mulher. Pela primeira vez, em dezenas de anos, não celebrei. Cada número, cada índice parece que bateu diferente esse ano. Não que as estatísticas fossem distintas nos outros anos, mas parece que vamos nos acostumando a elas numa espécie de gerúndio que nunca será pretérito perfeito.
Sou mulher, mãe de duas mulheres, filha, neta, bisneta e irmã de mulheres que, com suas histórias, ajudaram a moldar quem sou. Acredito que somente por meio da educação, do empoderamento econômico e político e do enfrentamento a todas as formas de violência conseguiremos mudar esse cenário de horror.
Como profissional de comunicação, proponho algumas reflexões para tentarmos compreender melhor e agir sobre essa situação.
Começo pela forma como denominamos o contexto responsável pela maioria das nossas mazelas. Palavras têm peso e contêm significados muitas vezes ocultos. Por isso, o termo “machismo estrutural” me incomoda tanto. Se alguma coisa é estrutural, é possível que seja percebida como permanente. Prefiro pensar em machismo desestrutural ou não será possível mudar posto que aceito como condição.
Do mesmo modo, a maneira como a questão do aborto se apresenta no Brasil está propositalmente enviesada. A discussão não é ser contra ou a favor do aborto. É se somos contra ou a favor do direito de as mulheres interromperem uma gravidez, de terem autonomia sobre seus corpos, livres de dogmas, preconceitos culturais e cartilhas. Não é mera questão semântica. É permitir que se olhe para o problema pela perspectiva real. Ignorar esse fato é trabalhar pela incompreensão da causa.
A questão da equidade de gênero nas empresas esbarra nos vieses inconscientes. Mulheres são culturalmente percebidas como intuitivas, gentis, cuidadosas, obedientes, emotivas, o que, num olhar superficial, podem parecer conceitos positivos, mas não foram construídos assim. Tais concepções e associações formadas ao longo do tempo acabam prejudicando a presença feminina em posições de liderança. Isso não acontece de forma consciente, mas insidiosa, deteriorando, inclusive, a nossa autopercepção. Estereótipos que impactam negativamente o nosso julgamento e a tomada de decisão de pessoas que precisam escolher entre um homem e uma mulher em uma situação de promoção no trabalho.
Se somos maioria no ensino superior, se estudamos por mais tempo que os homens, o que ainda explica ganharmos 21% menos que eles e ocuparmos apenas 39% dos cargos de liderança? Essa realidade é muito mais devastadora para mulheres pretas e pardas. Nesse ritmo, a equidade entre homens e mulheres no mercado de trabalho levará 131 anos.
Se não o estereótipo e o “papel social” esperado, o que mais poderia explicar sermos 22% do total de formandos em CTEM (Ciências, Tecnologias, Engenharias e Matemática) e 92% na área de Serviço Social e Enfermagem?
O IBGE também analisou a proporção de parlamentares mulheres e o Brasil ocupa vergonhosamente a 133ª posição entre os 186 países pesquisados.
Entendo comunicação, entre outras coisas, como a ação de transmitir uma mensagem e a habilidade de se fazer entender, por mais utópico que seja na medida em que dependemos do outro para isso e não temos qualquer controle sobre ele.
Somos animais verbais, portanto dependemos das palavras e dos significados que atribuímos a elas para moldar a nossa realidade. No entanto, nem sempre racionalizamos sobre essa dinâmica e constante criação de sentido. Meu apelo é para usarmos a comunicação a nosso favor na causa feminina, conscientes de que palavras formam imagens e condicionam identidades. Para que assim, quem sabe, possamos verdadeiramente celebrar.
Polika Teixeira é uma profissional com experiência em empresas de comunicação e tecnologia, como V&S/ Young&Rubicam, Fischer América, Telefônica Celular, África, Dream Factory, DM9DDB, TV Globo, Globosat, Mobi2buy E DialMyApp.
Formada em Comunicação Social pela PUC-RJ, com MBA em Marketing e MBA em Gestão, ambos pela COPPEAD-UFRJ.
Foi professora, por 9 anos, da disciplina de “Gestão de Comunicação Integrada” dos cursos de MBA e Mestrado da COPPEAD-UFRJ.
No Grupo ABC, foi Vice-Presidente da DM9 em SP e, posteriormente, Presidente e sócia da DM9Rio.
Homenageada pelo Meio & Mensagem/ Advertising Age como “Women to Watch” na primeira edição do evento no Brasil.
Em 2021, eleita Top 100 Gestores do mercado publicitário brasileiro.
Atualmente é CMO da Mobi2buy, empresa de tecnologia que utiliza IA para promover relacionamentos digitais singularizados entre empresas e clientes e Consultora de Marketing e Branding da DialMyApp, empresa pioneira na transformação de chamadas ao call center em experiências digitais inovadoras.
Mãe da Duda, da Antônia e do maltês Olaf. Casada com o ZéGui Vereza.
Certeiro e necessário. 👏